domingo, 28 de agosto de 2011

[Mês do escritor louco #10] Solipsismo

Como chegara àquele lugar vazio não mais importava. Havia algo de diferente naquela noite. Era uma noite de clima adverso, embora alguns vaga-lumes pairassem vagarosamente de um lado para o outro.

Sua respiração ficou pesada. Um leve e gélido suor passou por suas mãos. Espremeu seus olhos para enxergar melhor ao longe no escuro. O escuro também era diferente do comum. O campo estava banhado pela luz pálida e calma da Lua cheia, mas sua cor era espectral. Nenhuma alma viva estava por perto. Uma leve brisa bateu em seu rosto e um calafrio percorreu seu corpo. Sentiu-se triste por sua solidão.

Era isso. Percebeu sua solidão naquele pedaço de mundo. Não por não haver nada por lá, mas porque, pelo contrário, estava cheio de vidas ao seu redor e que jamais havia notado. Entendeu que, no meio de tudo aquilo, sua existência era insignificante. Sua existência, que segundos antes era a única coisa relevante em seu ponto de vista, mas não sua presença ali. Esta haveria de ser lembrada para sempre.

Seu coração se acalmou. Nada mais parecia obscuro: era tudo perfeito. Com um sorriso de despedida e uma breve reverência, virou-se e foi embora. Voltou muitos anos depois acompanhada de sua filha, que disse: “O que queria me mostrar? Não há nada aqui.”


10 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

[Mês do escritor louco #9] Alardeio promissivo

Escrevi um parágrafo promissor. Na passagem, o bravo (ou brava) jovem se esgueirava pelo campo aberto e deserto, exceto pela grama e pelo único conjunto de árvores que ali se encontrava. Então, ao procurar uma resposta naquele vazio, viu-se no meio de uma multidão de vida e entendeu sua insignificância perto de um mundo muito maior do que o que habitava em sua psique.

Era mesmo um bom parágrafo. Busquei nos mais profundos cantos dos meus conhecimentos, da minha criatividade, dos meus sentimentos, das minhas experiências, das minhas visões e das minhas cegueiras o conteúdo para continuar. Aquele seria meu melhor conto. Talvez meu melhor texto. Não havia dúvidas disto: em breve terminaria aquela história e me orgulharia de meu trabalho, encantaria o mundo com minha prosa e poetas mudariam seus estilos literários por minha influência.

Ora, quem nunca se sentiu assim? Às vezes isso acontece. A gente pensa que descobriu um novo universo, cheio de possibilidades, cheio de vida, cheio de coisas novas. Mas a gente se engana. Tudo bem. É só tentar mais uma vez e procurar um diferente ângulo. Tão diferente que, esse sim, será um novo universo.


2 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

[Mês do escritor louco #8] Decidida indecisão

As pessoas deveriam ser mais impulsivas em momentos de indecisão. Quantas vezes não aconteceu de ficar pensando se fazia uma coisa ou outra e, quando viu, era tarde demais: não fez nada. Por quê? Medo da reação? De estragar tudo? As probabilidades são de que, no fim das contas, tudo tenha estragado de qualquer maneira se não agiu. E da pior forma possível. Foi assim mesmo? Você se arrepende?

Seja num amor não declarado ou ao tentar decidir onde sentar no cinema.

Ao pensar se aceitava sair ou não quando recebeu um convite dos amigos e perguntou quem mais ia.

Ao pensar se falava ou não com alguém que encontrou por acaso. Talvez aquela pessoa que veio te pedir informação na rua.

E aquele dois, casal perfeito, que se gostavam, mas tiveram medo de se arriscar e enfrentar o mundo e a si mesmos? Terminaram separados sem nunca terem ficados juntos.

E os outros dois, casal que se dava mal, que por comodidade ficaram juntos para sempre na infelicidade?

Pense menos. Aja mais. Dê mais valor aos seus sentimentos, seus impulsos, seus desejos. Deixe que eles tomem conta de vez em quando. A vida não é feita de planos perfeitos e o que nós somos não é feito de decisões certas, mas de erros e das lições aprendidas com eles.

E então? Já pensou em se jogar na vida nos momentos em que você mais merece dela?


8 de janeiro de 2010

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

[Mês do escritor louco #7] Só uma curiosidade

Ela era curiosa. Gostava de entender como tudo funciona, numa ciência precisa e maravilhosa. Mas também tinha uma atração secreta pelas qualidades subjetivas da mente humana e queria saber o que é a curiosidade.

Para descobrir e conhecer, ela era tudo! Era a irmã, a filha, a amiga, a garota que todo mundo quer, a garota que todo mundo teme. Ela era a profissional, mas às vezes preferia ser a amadora. Era uma seguidora de regras, de caminhos, setas, receitas e passos. Mas, por vezes, dizia: “Dane-se” e então era a garota revolta.

Ela era a pesquisadora de espírito científico, mas, nos sentimentos, seu espírito era puro coração. Era um enorme bloco de gelo, mas por dentro corria lava incandescente e, quando esfriava, virava a pesada pedra que segurava do vento as folhas de papel que lia.

Ela era frágil como o ódio, forte como um sussurro apaixonado. E paixão não lhe faltava: a existência era sua paixão, acompanhada de mistérios sem respostas e uma pitada de sentimentos subjetivos, para dar um gostinho especial. E a curiosidade era o ponto fraco que lhe dava energia, seu ponto forte que degringolava.

Mas, apesar de tudo, não encontrava suas respostas. E ela ainda queria saber: o que é curiosidade? Então procurava de novo.


12 de dezembro de 2009

terça-feira, 16 de agosto de 2011

[Mês do escritor louco #6] Um segundo

Já parou para pensar em quanto tempo perdemos e ignoramos em nossas vidas corridas? E o quanto poderíamos fazer com esse tempo que vai acumulando? Ler um livro, ver um filme, viajar? Tem tanta coisa.

Mas nem precisamos ir muito longe. O tempo todo perdemos segundos. E cometemos a tolice de não darmos o menor valor para cada um deles.

Um segundo pode ser o que falta para poder ver algo belo quando se está em alta velocidade numa estrada.

Com um segundo na frente você pode pegar o ônibus que já está saindo e, assim, chegar meia hora mais cedo em casa.

Um segundo pode ser tudo o que você precisa para terminar a resposta daquela prova difícil que já está acabando.

Em um segundo você pode sentir um monte de coisas diferentes. E ganhar seu dia com isso.

Num segundo a mais você pode pensar melhor e fazer uma escolha diferente da que faria. Uma escolha melhor.

Mais do que isso, um segundo pode definir se você vai conseguir dizer “eu te amo” ou não para alguém que está partindo.

Um segundo e sua vida muda.


9 de dezembro de 2009

sábado, 13 de agosto de 2011

[Mês do escritor louco #5] Poesia em prosa

O que é poesia? Diversos versos dispersos em linhas com rimas alternantes e métricas abundantes? É pouco, mesmo sendo loucos os esforços para dar nome simples e uniforme ao desconexo complexo labirinto das palavras. Pois poesia também é energia, é a magia do olhar, a grafia do pensar, a folia da mente perante um coração ardente que bate sem fraquejar.

Já deve ter dito um poeta, tido filósofo da sensação indiscreta, que o lirismo em versos é viver a aventura de ser o ser que se quiser, o desejo e a espera ao ensejo do cortejo expresso num soneto à dama que se quer.

Enfim, simples assim, é a catarse da existência num impasse de essência. É o momento em que a gota de orvalho cai, em que a folha ao vento se vai, em que se permutam as alianças e as lembranças de duas almas que se fundem e viram uma.

Poesia é o gostoso da vida, o formoso de toda rosa.
E a vida é poesia em prosa.


24 de agosto de 2009

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

[Mês do escritor louco #4] O que sobra?

Cansa a superficialidade das pessoas. Por que insistem em querer parecer algo que não são? Será que é tão ruim assim o verdadeiro “eu” delas? Será que o que os outros pensam importa tanto?

Debaixo de todas as máscaras existe uma pessoa linda. Literalmente sem exceção! Mesmo as que odiamos, que pensamos não serem dignas da vida em si. Provavelmente não são mesmo, mas essa é só a face exterior delas.

Pense bem. Todos amam, todos choram, todos sorriem. Todos precisam se alguém ao lado. E não é isso que somos? Sentimentos, intuições, instintos. O que fazemos, demasiadamente, é cobrir nosso âmago com motivos vazios, algo que justifique. Porque as pessoas esperam justificativas e é aí que toda a falsidade egomaníaca começa.

Depois de todas as camadas externas, o que sobra é o que de fato somos, mas nos esquecemos ou nos recusamos aceitar. E você? Pretende deixar assim? Será que você entende quem você realmente é?


28 de julho de 2009

domingo, 7 de agosto de 2011

[Mês do escritor louco #3] Talvez falte...

Talvez falte amor no mundo. Pessoas se matam e fazem guerra o tempo todo por qualquer motivo. A própria paz é “razão” para desencadear uma batalha mortal entre nações, governos, pessoas.

Talvez falte caráter. Pessoas só fazem a coisa certa quando tem alguém olhando. Isso quando fazem a coisa certa. Elas deveriam pensar no bem supremo, no que há de melhor para a sociedade e para todos que vivem neste frágil planeta. Não deixar que tudo seja aparência, que tudo seja pose.

Talvez falte educação e cultura. Em todos os sentidos. Educação para com os outros. Cultura como conhecimento da vida, do bom senso, do certo e do errado, do bem e do mal. Não que as coisas sejam assim, preto no branco. Sei que há uma porção enorme de tons de cinza, mas é bom saber diferenciar. Não para escolher um lado e ficar, mas para saber se guiar. Todas as ações geram reações boas e ruins. Portanto, conheça os tons de cinza.

Talvez falte filosofia. Pensar mais no motivo do mundo ser o que é, de pessoas serem o que são. Entender como tudo ficou assim e para onde vai. Refletir e buscar um futuro ideal. Para todos. Para tudo.

Talvez falte amizade. Nem sempre podemos ajudar alguém, nem sempre podemos resolver todos os problemas, nem sempre podemos salvar o mundo. Mas podemos estar lá. Já pensou nisso? Às vezes isso é tudo o que uma pessoa precisa para se levantar e continuar andando. Nem sempre são necessárias palavras, atitudes e grandes feitos. É só simplesmente estar lá por alguém que precisa. Mais nada.

Talvez falte você. Porque você é parte de tudo isso e nunca se deu conta.


8 de julho de 2009

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

[Mês do escritor louco #2] Wondering to wonder

I always wonder if I make the right choices. Right now, I have a pen in my hand, writing and soaking the white paper with wasted ink as I still wonder if I'm wrong. To share my opinion, my ideas, my thoughts... Is it safe? Is it wise? Am I changing someone? Am I making a difference? Is that a good or a bad thing? Or is there someone laughing as this person reads my very naked soul?

I wonder, I ask, but I don't get any answer at all. There is no one to answer me anything. It is all in vain and I pity myself. Such a poor and clueless human being.

Wait. What? Am I human? Did I said that? I really am, am I not? Just like you... So why do we feel so different from each other? What separates us? The answer is nothing. We are all the same, but we create differences so we can feel special. We are special besides that, we just can't seem to accept it. We live in blindness, darkness and craziness for nothing.

But I can't stop any of that. To wonder is to be myself. It is my way of doing things, understanding them, fighting against ourselves. Would you all like to come with me? We don't have to live in loneness too. Take my hand and let's go to somewhere else, where we can be whatever we want to and, still, be who we really are. Let's wonder together!


8 de abril de 2009

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

[Mês do escritor louco #1] Homem: Remoto Controle

Era tudo uma grande e sem graça piada. Jamais acordaria daquele jeito novamente. Pé esquerdo ou direito, que diferença faz? Mas acordar com o corpo inteiro já é uma metáfora exagerada. Aquele homem sabia seu lugar no mundo! Quem o destino pensa que é tentando segurá-lo? Cair da cama e fazer o silencioso som de um peso morto embrulhado no cobertor ao tocar o chão é humilhante para alguém como ele.

Levantou-se e seguiu em frente. Aquele dia havia de começar, não importava como. Se já estava acordado, então que isso seja útil de alguma maneira. Tomou um banho, escovou os dentes, fez a barba, vestiu seu melhor terno e passou seu melhor perfume. Estava perfeito, como em todos os outros dias. Vivia sua rotina exatamente assim: o mais cotidianamente possível, com seus planos e suas regras. Não há espaço para surpresas. Considerava todos os acontecimentos minuciosamente previsíveis e suas soluções eram preparadas de antemão.

Seu relógio de punho marcava sete horas e quarenta e oito minutos da manhã. Sincronia perfeita! Em apenas 7 minutos passaria pela entrada do prédio onde trabalha e chegaria meia hora mais cedo, como sempre o fez. Estacionou o carro e saiu. Andando pela calçada, uma elegante mulher passou por ele enquanto o cumprimentava. Ele devolveu a gentileza, mas estava perplexo: por que alguém diria algo, mesmo tão trivial como um "oi", para uma pessoa que nunca viu, assim, aleatoriamente na rua, sem a intenção de parar para conversar?

Ele virou para olhá-la, talvez até chamá-la, mas esta já havia desaparecido de vista. Não tinha jeito, precisava se apressar ou se atrasaria em sua própria rotina. Mas isso não importava. Seu desempenho no trabalho foi pobre, estava sempre distraído, algo continuava martelando incansavelmente sua mente. Tentava, mas não conseguia se livrar da lembrança do incidente. O que se passou na cabeça da elegante mulher que vira? Ele era um homem de recursos e de padrões, portanto decidiu que criaria um plano infalível para revê-la e perguntar o motivo de ela ter feito tudo aquilo. Com certeza encontraria um modo, ele controla seu rumo, é senhor de seu destino.

Até o fim de suas vidas, nunca mais se encontraram. O que ninguém sabe é que foram enterrados um ao lado do outro.


23 de fevereiro de 2009